No começo dos anos 90, discutiam dois célebres intelectuais, um tucano, um petista. O tucano perguntou: "Afinal, quando o PT vai admitir que é social-democrata?"; o petista respondeu: "E o PSDB, quando vai admitir que não é?". A tensão entre a social-democracia que não ousa dizer seu nome e a social-democracia que só ousa dizer seu nome é uma das marcas do debate político brasileiro moderno e voltou ao centro do palco com a crise atual do PT.
O diretor do Instituto Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, publicou em 2 de agosto último, um importante texto, neste mesmo caderno, propondo que o PSDB volte às suas origens de centro-esquerda e ocupe o espaço que o PT está deixando aberto.
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Em sua origem, o PSDB foi um partido social-democrata. Seu aliado mais frequente em eleições majoritárias, antes de 1994, era o PDT de Leonel Brizola, e houve quem propusesse a fusão dos dois partidos (o que, inclusive, facilitaria a entrada dos tucanos na Internacional Socialista). funny how the author of your article mentions PSDB failed attempt to join Socialist International but reaches a completely different conclusion...
Fernando Henrique Cardoso foi o autor do projeto de imposto sobre grandes fortunas. Os tucanos foram fundamentais na confecção da Constituição social-democrata de 1988. O célebre discurso de Mario Covas pedindo um "choque de capitalismo" durante a campanha de 1989 foi, em parte, uma tentativa de superar a desconfiança dos empresários de que fosse, no fundo, um esquerdista radical (e o PSDB, afinal, apoiou Lula no segundo turno). Qualquer história da esquerda brasileira que não inclua Covas e FHC, Serra e Bresser, será sempre incompleta.
Mas os próprios fundadores do PSDB já sabiam que a escolha do nome "social-democrata" podia cobrar seu preço. O ex-ministro Bresser-Pereira contou, em entrevista de 2011 ao jornal "Valor Econômico", que Franco Montoro, democrata-cristão histórico, teve um momento profético durante os debates iniciais dos tucanos: dizia que, se o PT, com sua base sindical, virasse governo e moderasse seu discurso, seria a social-democracia brasileira e empurraria o PSDB para a direita. Em uma palestra de 1991 na Fiesp, Leôncio Martins Rodrigues dizia que o PSDB e o PDT não eram social-democratas, pois lhes faltava a base sindical. E completava dizendo que "só quem pode ser social-democrata é o PT, que não quer ser". This part is great, what an insight from Montoro
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Desde então, o PSDB chefia o bloco anti-PT. Dado que o PT também fez o que a ciência política esperava e se moveu para o centro, a profecia de Montoro se cumpriu, e o PSDB foi empurrado para a direita.
O PSDB é um experimento interessante de ciência política: sua posição dentro do sistema prevaleceu sobre a identidade de seus fundadores. O PSDB vota mais à direita no Congresso Nacional hoje em dia do que votava antes de 1994, suas alianças frequentes são bem mais conservadoras.
Não conheço estudos sobre recrutamento partidário tucano, mas os quadros jovens de destaque do PSDB (como os "cabeças pretas") não parecem estar lendo nada muito à esquerda. É provável que a maioria dos filiados ao PSDB nos últimos dez anos tenha sido atraída pelo antipetismo dos tucanos. É difícil citar um membro de destaque do PSDB com menos de 50 anos que tenha um perfil ideológico semelhante, digamos, ao de Mario Covas. If Covas was alive I doubt he would aprove the way his political party turned out
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O PSDB foi o grande civilizador da direita brasileira. (...)
E, finalmente, o PSDB deu à direita brasileira a única vitória eleitoral esmagadora, programaticamente clara e baseada em resultados de sua história. Os eleitos à direita anteriores, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello, não conseguiram terminar um mandato; FHC emendou dois. Houve duas vitórias em primeiro turno por uma candidatura liberal, sem candidato maluco, sem fraude e sem golpe, o que era inédito na história brasileira. O PSDB foi o Juscelino que a UDN nunca teve. (this part is also great, it cracks me up every time)
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PODER
É claro, todo o raciocínio exposto acima supõe que o plano do PSDB seja voltar ao poder ganhando eleições, e que seus movimentos recentes sejam só tentativas de enfraquecer o governo para 2018. Nesse caso cabe discutir, como fizemos acima, a desigualdade brasileira, Tony Blair e a Conferência de Florença, Fernando Henrique Cardoso e Armínio Fraga.
Se, contudo, o plano for chegar ao poder por articulação pelo alto, por impeachment ou coisa parecida (nos moldes das votações "até virar" de Eduardo Cunha), a conversa é outra.
Trata-se, então, de discutir os termos de uma aliança com os políticos que se venderam ao PT nos últimos 12 anos. Nesse caso, a liberalização econômica seria feita não pela conquista do apoio consciente dos mais pobres (como em 1994), mas por sua desmobilização após a crise da esquerda. Não sei dizer se a reconstrução do velho "centrão" custaria mais ou menos ao erário do que um programa de redistribuição de renda.
Nesse último cenário, após o fracasso em ser uma versão mais sofisticada do PT, e um extraordinário sucesso em ser uma versão mais sofisticada do PFL, o PSDB voltaria às origens e lideraria o que, em 1988, chamou de "PMDB Arenizado". Em algum lugar, Orestes Quércia sorri. (and finally the killing blow)